Como a Associação mudou o bairro
Droga, barulhos, desacatos e insegurança? 'Também tivemos, mas as coisas acalmaram', diz Juvenal Silva, o clã do pequeno bairro de 40 fogos no Galeão.
O bairro social do Galeão, em São Roque é um dos mais pequenos do Funchal: tem apenas 40 fogos. O associativismo, a vizinhança, a ordem e a imagem são valores que o aglomerado não despreza.
'Um drogado ou uma mulher de má vida não têm sarna, as pessoas pensam que sim, mas isso é um erro e é meio caminho andado para criar revoltados'. O presidente da Associação Cultural e Recreativa do bairro do Galeão é um defensor da integração social, não tem dúvidas de que é o melhor remédio para a insegurança. 'Se marginalizarmos, metem-se na droga e depois ninguém pode deixar o carro encostado'.
Droga, barulhos, desacatos e insegurança? 'Também tivemos, mas as coisas acalmaram'. O segredo? Juvenal Silva acende o segundo cigarro, puxa o fumo e, logo a seguir, conclui: 'Isto só endireita se ocuparmos as crianças e os adolescentes'. A associação fez por isso, é conhecida pelo grande presépio no Natal e por participar nas marchas dos santos populares, mas o antigo inspector adjunto da Segurança Social confessa que, quando foi preciso, se usou de maior energia.
Esses tempos atribulados passaram. 'Uma vez por outra há um que bebe, que se esquece das horas e acorda o vizinho. Não digo que não haja moradores com problemas de droga, mas isso há em todos os lados. Roubos não, se fazem é fora do bairro'. Por enquanto, garante, o Galeão é seguro, as crianças, os adolescentes e até os desempregados estão ocupados. Se não for nas actividades da associação, estão nos jardins do bairro. 'São os moradores que os arranjam'.
Há sempre que fazer, sobretudo agora que a associação tem uma sede nova, feita de raiz e por muita insistência de Juvenal Fernandes Silva. Ensaiador, dirigente, autor de letras e quadras, inspector da Segurança Social aposentado, apresentador das matinés 'Tu Cá, Tu Lá' - aos domingos no antigo Cine Parque - e cenógrafo de teatros em Lisboa. 'Enquanto não tivemos a sede, eu fui todas as semanas à Câmara. O presidente, quando me via, já dizia que não se tinha esquecido'. O certo é que a sede foi construída, não faltam planos e projectos. 'O que não há é dinheiro, mas também isso se arranja'.
A Direcção Regional dos Assuntos Culturais deu umas ajudas para o presépio, o INATEL também, mas no Galeão ninguém tem ilusões a propósito do financiamento da cultura popular. Os sócios também não são endinheirados, alguns não têm para pagar a quota. 'O mais importante não é o dinheiro, é que participem', explica Juvenal, enquanto mostra os fatos antigos das marchas populares e o grande sucesso das edições da Festa do Vizinho, que se realiza em Maio. 'A ementa dessa festa é tradicional e levamos às pessoas que não podem sair de casa, ninguém fica de fora'.
O primeiro e último objectivo das actividades da Associação Cultural e Recreativa do Galeão é a integração. O presidente tem orgulho nos seus jovens, os olhos brilham quando apresenta Lara, antiga porta- bandeira da trupe do Ateneu e figurante dos 'Fura Samba' no cortejo de Carnaval, hoje mãe de uma menina, a Ana Carolina. É para a festa de baptismo de Ana Carolina que andam em limpezas na sede da associação. 'Vai ser aqui a festa, não se cobra nada pelo uso', continua Juvenal, enquanto afaga a cadela boxer que foi abandonada no bairro e está doente. 'Está doente, mas tem cura, estamos só à espera que a SPAD telefone a marcar a operação'.
O orgulho do Galeão
A atenção volta-se outra vez para Lara, 24 anos e empregada num escritório de contabilidade. É a cara do sucesso e da integração, tem emprego, uma filha e um marido. Veio do Jamboto com a família e desde os 13 anos que participa nas marchas populares do Galeão, é uma rapariga do bairro, tal como o marido que, de momento, está ocupado com as limpezas para o baptizado. À porta da sede, lavam-se as cadeiras e, no salão maior, começa a ganhar forma a decoração que Juvenal imaginou para a festa. 'Vamos fazer aqui o cenário, meter umas obras e, depois, saem daqui as mesas do bufete'. A comida para os 50 convidados virá do Tourigalo e as despesas são por conta dos pais.
A maior força de trabalho nestes preparativos é do grupo de desempregados. São os mesmos que ajudam nos jardins, que colaboraram na construção do presépio. Maurício é desse grupo e, apesar do boné e do brinco, não se faz rogado, pega na esfregona e limpa o chão. Em Março, será a vez de fazer a festa à sua filha de seis meses. A princípio, 'não estava preparado' e torceu o nariz, mas, como diz Juvenal, não há nada que não tenha remédio. Apesar de ter perdido o emprego como servente de metalúrgica não tem faltado ocupação.
É como Ricardo, canalizador desempregado, que anda a lavar as cadeiras de plástico para a festa. Foi em torno das actividades da associação que encontrou a mulher, a rapariga com quem fez par nas marchas populares. O bairro? É calmo, não tem problemas. O segredo? Juvenal adianta-se e insiste: a ocupação. Além de ocupar as crianças com os jogos tradicionais, as joeiras, os carrinhos de verga e canas e o peão, o presidente da associação inscreveu-se no INATEL. Em contrapartida, terá instrumentos para iniciar as aulas de música para crianças. 'Se não fosse esta sede, todo este trabalho ficava pelo caminho'. As aulas de música, o ginásio, o espaço para arrumar fatos e material, um lugar para fazer o que for necessário para ocupar e distrair.
Uma excepção
A Associação Cultural e Recreativa nasceu no Galeão, veste de azul e branco e tem um logótipo, um barco. Não foi imposta ou sugerida pelas autoridades, não fica à espera dos apoios para avançar. No panorama regional, é um caso raro, uma excepção. Segundo o presidente da Investimentos Habitacionais da Madeira, o que se passa no Galeão só tem paralelo no bairro 'Argentina', em Câmara de Lobos. Tal como em São Roque, os moradores criaram o 'Clube Argentina' que, por sua conta, desenvolve actividades de lazer para quem vive no bairro.
'São os únicos que conheço, que nasceram da vontade dos cidadãos e que fazem a diferença'. Paulo Atouguia reconhece que a situação do Galeão é especial, o bairro é pequeno, tem a dimensão certa. 'Não podemos comparar um bairro de 40 fogos com a Nazaré, por exemplo, que tem mais população do que muitas freguesias da Madeira'. A urgência de habitação dos anos 70 e 80 não foi possível projectar todos os bairros como o do Galeão, com poucos fogos e para famílias da área.